O som do silêncio: Convento da Arrábida
Há muito que o Convento da Arrábida estava na minha lista de locais a visitar em Portugal, e este passado domingo foi o dia!
Toda a experiência foi muito aprazível: desde a simpatia no contacto estabelecido via e-mail e telefone, como também no local, bem como a visita em si. Adorei!
O espaço, sob a alçada da Fundação Oriente, pode ser visitado às 4ªs feiras, sábados e domingos apenas e só sob marcação. No entanto, todo o processo de marcação é super simples. Eu enviei um e-mail, confirmaram a passibilidade para o dia que pretendia e indicaram-me o horário possível para a visita. Depois contactaram-me a informar que até poderia ir mais cedo uma vez que o grupo anterior tinha algumas desistências.
Se o silêncio, a introspeção e a serenidade tivessem um som, seria este da Arrábida com as cigarras a cantar, o vento a acariciar as árvores e o mar a ouvir-se muito ao longe.
E foi isto mesmo que os frades franciscanos procuraram aqui, quando erigiram no século XVI este convento nas terras de 25 hectares doadas pelos duques de Aveiro a Frei Martinho de Santa Maria em 1542 que terá dito «se não estou no Céu, estou nos seus arrabaldes». Um dos primeiros frades arrábidos foi, por exemplo, São Pedro de Alcântara.
O espaço sofreu diversas alterações e acrescentos com o tempo e mediante as necessidades dos frades, mas sempre com o foco nos seus votos de pobreza e solidão, sendo essencialmente isto que visitamos na visita guiada pelo Convento.
Uma das duas peças mais valiosas do espaço é este relógio alemão, oferecido ao convento.
Este espaço de veneração não surgiu do nada no século XVI, reza a lenda que no século XIII o mercador Hildebrant no seu caminho para Lisboa se deparou com uma tempestade e a embarcação onde seguia fica à deriva e todos os marinheiros temiam embater nas rochas da costa na noite escura. O mercador particularmente devoto a Nossa Senhora, corre até ao seu camarote para rezar à imagem que trazia, mas não a encontra. Sem perder o fervor pede a todos para rezarem pedindo a Nossa Senhora a saída incólume de tal tempestade, quando lhes surge um clarão, da noite se fez dia, a tempestade amaina. Guiados pela luz navegam até à costa da Arrábida em segurança. Na manhã seguinte Hildebrant e marinheiros sobem a serra em busca do local onde tinham visto a luz que os guiara. Vão, então, descobrir a imagem de Nossa Senhora que Hildebrant tinha no navio. O mercador constrói no local uma ermida, tornando-se um local de culto e romaria, hoje conhecido como a Ermida da Memória.
A verdade é que "a individualidade geográfica da Arrábida e o seu relativo isolamento conferiu a este lugar a dupla dimensão de um local de reflexão mística e de defesa do território, de exercício simultâneo da espiritualidade e de afirmação do poder militar – dupla dimensão concentrada no termo árabe Ribât, a provável origem etimológica do termo Arrábida."1
Pelas características geográficas do local, de solitude, e pelas próprias grutas naturais, este seria efetivamente um local de eleição de monges muçulmanos para implantação de um ribat, como pude verificar também durante as escavações arqueológicas ao Ribat da Arrifana, em Aljezur.
Há uma enorme tendência de reocupação dos locais mantendo as suas funções originais, como é possível verificar desde a ocupação romana, pela muçulmana até à cristã em território português.
Dicas: contactos via e-mail ou telefone para marcações; prefiram visitas o mais cedo possível pois o sol é quente sobre a Arrábida; calçado confortável, vão subir e descer muitas escadinhas.
Fotos tiradas por mim, com e sem tripé.
Local: Convento da Arrábida, Arrábida, Setúbal